01 fevereiro 2007

Incompatibilidade de sistema

Andando, desvairado pela rua, como se estivesse sendo por mastins saídos diretamente do inferno. Suava em bica, olhava para os lados nervoso (ao mesmo tempo que tentava não deixar ninguém ao redor perceber o nervosismo, como se alguém prestasse atenção), tinha impeto de quase chegar a correr, evitado apenas pelo seu senso de discrição.

No fundo, sabia que eram só suas neuroses que finalmente submergiram e dominaram a sua mente. Sinceramente, nunca fora lá das mais equilibradas. Ele sabia que o que o perseguia nada mais era que seus próprios pesadelos, auto-referências subjetivas que, em seus momentos de solidão, pulavam subitamente para o consciente inflingindo-lhe dor. Talvez o mais estranho de tudo fosse ter plena consciência disso e, ao mesmo tempo, ter a certeza do quão letal isso poderia lhe ser. Afinal, quantas e quantas vezes num momento de confusão você não achou tentador pular na frente de um ônibus ou na linha do metrô? O quão mais fácil, o quão mais lógico, dentro de uma realidade que você tem que ocupar a própria mente para que ela lhe pareça lógica (ou ao menos, para desviar sua atenção de que não faz o menor sentido?) isso não lhe pareceu o mais racional a se fazer?

Ofegava. Como nas aulas de educação física, ofegava e suava. Por isso odiava tanto educação física. Como alguém pode gostar de ter dificuldade pra respirar ao mesmo tempo que se sente molhado e fedido? Perguntou-se isso o colegial inteiro. A realidade oscilava. Anúncios brilhantes ao seu redor na avenida pareciam criar círculos, auréolas de cor, quase que uma canonização da coca-cola ou daquele nike que sabe-se lá porque, office-boys vendiam todo seu vale-refeição para poder comprar, mesmo que parecesse cretino ter um conjunto de doze molas sob o calcanhar. Os cheiros, embora habituais, davam um misto de sufocamento e prazer - o cheiro do óleo diesel queimado de um ônibus é terrivel, mas uma vez que se cresce na cidade grande, é algo que te traz associções de vários acontecimentos de sua vida, muitas vezes até esquecido, mas só a familiaridade da coisa já te leva a um estado muito mais confortável que o momento atual. Mas ainda não conseguira explicar pra si mesmo de onde vem tanto pânico. Seria alguma crise social, do tipo "eu não entendo minha função aqui"? Seria ridículo, ora, isso é coisa de adolescente. Como compartilharia isso com alguém, o que as pessoas diriam?

Quando tudo parecia mais claustrofóbico, enfim chegou ao prédio de paredes brancas. Não que isso aliviasse muito, a tensão e a ansiedade gerada pela possibilidade de uma solução ou, pior ainda, pela não possibilidade, botava seu nervos ainda mais a flor da pele. Estrangularia facilmente a mulher de roupas e chapéu branco que passava naquele momento. Sim, isso talvez o acalmasse. Mas teria problemas com a polícia, não teria? Seria preso. Como iria sobreviver na cadeia? Achava que pegaria cela especial, mas quem garante que faria alguma diferença(até porque, não tinha certeza, essa lei ainda era vigente?)?

Chegou sua vez. Falou com o homem de avental branco que o ouviu (ou fingiu muito bem) tudo que ele tinha a dizer. O homem de avental branco franziu a sobrancelha esquerda, olhou no fundo dos olhos (por "obrigação técnica") sem profundidade alguma e receitou cápsulas de 20ml de anulação para ele. Nem mesmo tentou ouvir o que ele tinha pra dizer antes de passar a receita.

Fez efeito. Hoje ele é uma pessoa bastante feliz. Acorda cedo, vai pro trabalho, volta, vê o jornal, dá um beijo nas crianças e vai deitar-se, com a única interferência de tomar uma capsula ao acordar e outra antes de dormir. Que coisa fantástica, este admirável novo mundo que, quando seu questionamento chega a níveis tão lógicos que não te deixam mais interagir com as outras pessoas ou com o mundo delas, te permite comprar na farmácia algo que destrua completamente seu senso crítico das coisas.

Deus abençoe o Prozac.

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